Para os amigos!

Posted: sexta-feira, 16 de março de 2012 by Luis Tertulino in Loucuras usadas: , ,
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Trecho de "On The Road", de Jack Kerouac, o mais belo e emocionante até agora. Dedicado aos meus amigos...


“Fundimos a cuca pensando pra onde ir e o que fazer. Eu tinha uma carreira bastante boa em andamento em NY e percebi que ia sobrar para mim ajudar Neal. Pobre, pobre Neal --- nem o Demônio tinha caído tão fundo; numa idiotia, com o dedo infeccionado, rodeado pelas malas maltratadas de sua vida febril e desamparada indo e vindo, pela América inúmeras vezes, um pássaro perdido, um bosta, dê seu preço e pegue o troco. ‘Vamos a pé até Nova York’ disse ele ‘e enquanto isso avaliamos tudo ao longo do caminho --- simm.’ Puxei meu dinheiro e contei; mostrei para ele. 2x. ‘Tenho aqui’ disse a quantia de oitenta e três dólares e uns trocados, e se você vier comigo nos mandaremos para Nova York --- e depois para a Itália.’ ‘Itália?’ disse ele. Seus olhos brilharam. ‘Itália simm --- como chegaremos lá, caro Jack?’ Meditei. ‘Arranjarei mais dinheiro, vou ganhar outros mil dólares e uns trocados. Vamos curtir todas as mulheres loucas de Roma, Paris, de todos aqueles lugares; vamos sentar nos cafés ao ar livre; vamos encontrar Burford, White Jeffries e viver nos cabarés. Por que não ir pra Itália?’ ‘Porque simm’ disse Neal e então percebeu que eu estava falando sério e pela primeira vez olhou para mim com o rabo do olhos, porque eu jamais havia me comprometido assim com sua pesada existência, e aquele era o olhar de um homem que pesava suas chances no último instante antes de fazer sua aposta. Naquele olhar havia júbilo e insolência, era um olhar diabólico, e ele pousou seus olhos em mim por um longo, longo tempo. Encarei-o e enrubesci. Falei ‘Qual é o problema?’ Me senti um traste ao fazer a pergunta. Ele não deu resposta e continuou me encarando com o mesmo canto de olho desconfiado e insolente. Tentei lembrar de tudo que ele tinha feito na vida e ver se não havia nada do passado que o deixasse desconfiado agora. Firme e resolutamente repeti o que havia dito - - ‘Venha para NY comigo, eu tenho dinheiro’. Olhei para ele; meus olhos estavam se enchendo de lágrimas e constrangimento. Ele continuava me fitando. Seus olhos agora estavam vazios e me atravessavam. Provavelmente foi o ponto crucial da nossa amizade quando ele percebeu que eu realmente tinha gasto alguma horas pensando nele e ele estava tentando catalogar isso em suas categorias mentais tremendamente confusas e complicadas. Algo estalou em nossas almas. Em mim foi a súbita preocupação com um homem anos mais moço que eu, cinco anos, & cujo destino estivera ligado ao meu no curso de anos nebulosos; nele era algo que só posso calcular pelo que fez depois. Ficou extraordinariamente satisfeito e disse que estava tudo combinado.”

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