Terremoto

Posted: segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012 by Luis Tertulino in Loucuras usadas: , ,
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que bela manhã de sol
que bela manhã de sol para as pessoas saírem de suas casas
manhã de sol para se fazer tudo que se planejou
quantas pessoas ali na rua
na rua em uma manhã de sol
uma rua no sol
sol - coisa que dá vida
rua - coisa onde se vive

olha: estão todos caminhando ali
todam andam, andam, andam
andam
andam
mais
andam mais
andam
andam, andam, andam
correm, mais
correm, andam, correm
andam, correm, correm
correm, correm, andam
mais
e
mais
e
mais
e
mais

eis um ruído em meio a ruídos
a vozes
numa sincronia
perfeitamente dessincronizada
camadas e camadas de vozes
diferentes tons
tons e gritos e sussurros

todos ali no concreto
o ruído cresce, cresce, cresce
as pessoas diminuem suas vozes
tentam descobrir o que é
aos poucos se afastam de onde vem os ruídos
oooh: uma linha ali no meio
- alguns correm
- medo e pânico em alguns
nem todos pagaram as contas
olha! - outra linha -
nem todos compraram o que precisavam
ouça: está tremendo!
nem todos viram o que passou na televisão
nem todos trabalharam o quanto deviam
mais e mais linhas
retas
curvas
riscos
lápis
lápis no concreto
quem duvidou que vulcões aqui existem?
quem achou que aqui não havia pânico?
rompe
rompe
romp
r-o-m-p-e
ROMPEU!

foi poeira pra todos os lados
alguns gritaram
algumas bocas: subjugadas pela lei da gravidade
aquilo era simplesmente impossível
um dia como aquele, impensável
inaceitável
mas quem diria,
lá estava ela
toda cercada de rosa
toda cercada de um aroma jamais sentido
- só sentiam o cinza -
e lá estava, viva,
transgressora:
uma simples rosa havia rompido o concreto!

Os olhos de Ligeia

Posted: domingo, 5 de fevereiro de 2012 by Luis Tertulino in Loucuras usadas: ,
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"De olhos, não encontramos modelos na antiguidade remota. Pode ser que nos olhos de minha bem-amada estivesse o segredo a que lorde Verulam alude. Quero crer fossem eles bem maiores que os olhos comuns à nossa raça. Eram, inclusive, mais rasgados que os olhos agazelados da tribo do vale de Nourjahad. Contuso, só ocasionalmente, em horas de intensa excitação, fazia-se notar essa peculiaridade de Ligeia. Nessas horas, sua beleza - pelo menos, assim via minha fantasia exaltada - copiava beleza dos seres extraterrenos, a beleza da fabulosa huridos turcos. As pupilas eram do negro mais brilhante, ensombradas por longas pestanas de azeviche. As sobrancelhas, de contorno irregular, tinham a mesma cor. A "estranheza", todavia, que eu descobria nesses olhos independia do formato, da cor ou do brilho deles; vinha, antes, da expressão. Ah, a palavra sem sentido, sob cuja ampla latitude de mero som sepultamos nossa ignorância de tantas coisas espirituais! A expressão dos olhos de Ligeia! Quantas vezes não refleti sobre isso! Quanto não lutei, durante uma noite inteira de verão, para sondá-la! Que era aquilo, mais profundo que o poço de Demócrito, jacente bem no fundo das pupilas de minha bem-amada? Que era aquilo? Dominava-me a ânsia de descobrir. Aqueles olhos, aquelas enormes e brilhantes e divinas pupilas, tornaram-se para mim as estrelas gêmeas de Leda, e eu me verti no mais devoto dos astrólogos."

Trecho de "Ligeia", de Edgar Allan Poe