Agosto 1964

Posted: segunda-feira, 26 de setembro de 2011 by Luis Tertulino in Loucuras usadas:
1

Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
         mercados, butiques,
viajo
         num ônibus Estrada de Ferro - leblon.
         Volto do trabalho, a noite em meio,
         fatigado de mentiras.

O ônibus sacoleja. Adeu, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
         que a vida
         eu compro à vista aos donos do mundo.
         Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

         Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
         Do salário injusto,
         da punição injusta,
         da humilhação, da tortura,
         do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema
uma bandeira

[Ferreira Gullar]