Citações

Posted: by Luis Tertulino in


Sábado, 28/05/2011

Trechos retirados do livro "O delicado abismo da loucura", que estou lendo.

"Mariana encostou a xícara nos lábios, distraída. Tomou um gole breve, o café esfriando. Mesmo gostava de permanecer tempo perdido bebendo café, goles lentos, longe do mundo. Longe do silêncio oco da casa-grande. Não pelo sabor da bebida. Não, nunca. Às vezes não sentia gosto nenhum. Só para ficar parada, distante, quieta, no labirinto dos pensamentos." (p. 154)

"O que custa fingir? Só mesmo o trabalho do fingimento, se é que isso pode se dar o nome de trabalho." (p. 155)

"Vem então de Deus a força que faz os homens se atormentarem e trocarem insultos, balas e punhais? Deve vir, eu sei, deve vir. Porque do contrário Ele não teria escolhido Abel para o seu preferido, encolerizando Caim. Haverá assim algum arbítrio divino que faz com que os homens se atirem uns contra os outros, feras indomáveis? Ah, meu Senhor, não julgues que blasfemo. Apenas sou fraco e pergunto. Fraco, oprimido e humilhado. Porque sou vítima, vítima das traições. Eu estive bem perto dela, bem junto dela, tomei-a nos braços e nem sequer tive coragem de enxotá-la.
(...)
No entanto, como os círculos de vento que fazem a  volta do mundo e depois se reencontram, colocaste prostradas uma diante da outra a vingança e a traição. Como compreender este arbítrio? Como entender uma estrada tão enlameada de traições e lutas entre irmãos? É assim que se assiste ao carrossel da História?" (p.210-211)

Todos esses trechos são da segunda parte do livro, "As sementes do sol".

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Quinta, 21/04/2011


Trechos retirados do livro que eu literalmente acabei de ler, "Filosofia da Ciência", do Rubem Alves.


"(...) e, porque eu desejava me entregar inteiramente à busca da verdade, pensei que seria necessário (...) rejeitar como absolutamente falsa qualquer coisa acerca da qual eu pudesse imaginar o menor fundamento para a dúvida, a fim de ver se, depois disso, alguma coisa permaneceria que, segundo minha crença, era absolutamente certa." (Descartes)


"Nós não conhecemos. Nós só podemos dar palpites." (Karl Popper)


"Podemos ter certeza quando estamos errados, mas nunca podemos ter a certeza de estarmos certos." (Rubem Alves - Filosofia da Ciência, p. 188)


"Cremos que o universo é ordenado e organizado e que aquilo que é válido aqui e agora será válido também lá e então. A partir disso, saltamos do particular para o geral: de alguns gansos para todos os gansos, da amostra do café para a saca inteira, da regularidade que percebi num lugar e tempo específicos para afirmações que vão até o início e o fim do mundo... Passamos a usar 'botas de sete léguas'. Só que elas não são construídas com fatos, mas costuradas com a crença, a esperança, a confiança de que a realidade é contínua e una: um pressuposto de fé que não pode ser provado ou demonstrado. E assim, com sua bota irracional, dotada de asas da imaginação, o cientista levanta voo para conhecer o mundo... De fato, algo muito perturbador. Não é de admirar que filósofos tivessem querido substituir sugestão tão insólita (na verdade, vizinha próxima da religião e dos mitos), pela alternativa mais respeitável da probabilidade, que, sendo menos pretensiosa, tem, pelo menos, a respeitabilidade da matemática." (Rubem Alves - Filosofia da Ciência, p.132)


"(...) a inspiração mais profunda da ciência não é um privilégio dos cientistas, porque a exigência de ordem se encontra presente mesmo nos níveis mais primitivos da vida." (Rubem Alves - Filosofia da Ciência, p. 40)


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Sexta, 24/12/2010

"Aí o Leco resolveu matar o Papai Noel. De verdade. Dar uma pedrada na cabeça dele assim que ele chegasse. Não pela chaminé, que não havia. Pela janela do barraco. Aquela encruzilhada de esgoto. Como viria? Voando?
Leco ficou esperando. O olho grudado no alto. Apertando o pedaço de paralelepípedo. Também trouxe uma faca, caso fosse preciso. Ou se o velho gordo revidasse. E gritasse. Eu disse para o Leco. Papai Noel não grita. Faz só ho, ho, ho. Leco riu, meio apressado. E me disse que Papai Noel era rico. Eu disse que não era. Leco disse que era. Papai Noel era dono de uma fábrica. E vinha de longe. De um país cheio de neve. País pobre não tem neve. E Papai Noel era gordo. Muito gordo. E sorria. era um homem muito rico, sim. Por isso fazia ho.
(...)
Leco era um menino muito corajoso. Ficou ali, quietinho. Sem tremer. E chovia tanto àquela noite. Eu lembro: o medo era o barraco encher de lama. Como chegaria o Papai Noel, hein? Naquea água balofa? Outra coisa que o Leco falou e que eu achei um absurdo: que ele ia pegar o dinheiro do Papai Noel. Mas o Papai Noel não tem dinheiro, eu falei. Mas Leco disse que ele tinha. Umas moedas de ouro. Um tesouro. Eu não acreditei. Tudo que o Papai Noel tem é aquele saco vermelho, cheio de brinquedo. Mas leco não quis saber. Todo mundo tem dinheiro. Ninguém faz nada de graça. A mãe do Leco vive dizendo. Nadinha. E foi isso o que o Leco me falou. nadinha."

Marcelino Freire - Rasif / mar que arrbenta, p. 45 - 47.
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Sábado, 18/12/2010

"I slipped away
I slipped on a little white lie

We've got heads on sticks
You've got ventriloquists
We've got heads on sticks
You've got ventriloquists

Staring at the shadows at the edge of my bed
Staring at the shadows at the edge of my bed
Staring at the shadows at the edge of my bed
Staring at the shadows at the edge of my bed

Rats and children'll follow me out of town.
Rats and children follow me out of their homes.

Watch It"
Radiohead - Kid A

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Sexta-feira, 10/12/2010

"Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta história não tem nenhuma técnica, nem de estilo, ela é ao deus-dará. Eu que também não mancharia por nada deste mundo com palavras brilhantes e falsas uma vida parca como a de datilógrafa. Durante o dia eu faço, como todos, gestos despercebidos por mim mesmo. Pois um dos gestos mais despercebido é esta história de que não tenho culpa e que sai como sair. A datilógrafa vivia numa espécie de atordoado nimbo, entre céu e inferno. Nunca pensara em 'eu sou eu'. Acho que julgava não ter direito, ela era um acaso. Um feto jogado na lata de lixo embrulhado em um jornal. Há milhares como ela? Sim, e que são apenas um acaso. Pensando bem: quem não é um acaso na vida? Quanto a mim, só me livro de ser apenas um acaso porque escrevo, o que é um ato que é um fato. É quando forças interiores minhas, encontro através de mim o vosso Deus. Para que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro."

Clarice Lispector - A Hora da Estrela (p. 36)