Os olhos de Ligeia

Posted: domingo, 5 de fevereiro de 2012 by Luis Tertulino in Loucuras usadas: ,
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"De olhos, não encontramos modelos na antiguidade remota. Pode ser que nos olhos de minha bem-amada estivesse o segredo a que lorde Verulam alude. Quero crer fossem eles bem maiores que os olhos comuns à nossa raça. Eram, inclusive, mais rasgados que os olhos agazelados da tribo do vale de Nourjahad. Contuso, só ocasionalmente, em horas de intensa excitação, fazia-se notar essa peculiaridade de Ligeia. Nessas horas, sua beleza - pelo menos, assim via minha fantasia exaltada - copiava beleza dos seres extraterrenos, a beleza da fabulosa huridos turcos. As pupilas eram do negro mais brilhante, ensombradas por longas pestanas de azeviche. As sobrancelhas, de contorno irregular, tinham a mesma cor. A "estranheza", todavia, que eu descobria nesses olhos independia do formato, da cor ou do brilho deles; vinha, antes, da expressão. Ah, a palavra sem sentido, sob cuja ampla latitude de mero som sepultamos nossa ignorância de tantas coisas espirituais! A expressão dos olhos de Ligeia! Quantas vezes não refleti sobre isso! Quanto não lutei, durante uma noite inteira de verão, para sondá-la! Que era aquilo, mais profundo que o poço de Demócrito, jacente bem no fundo das pupilas de minha bem-amada? Que era aquilo? Dominava-me a ânsia de descobrir. Aqueles olhos, aquelas enormes e brilhantes e divinas pupilas, tornaram-se para mim as estrelas gêmeas de Leda, e eu me verti no mais devoto dos astrólogos."

Trecho de "Ligeia", de Edgar Allan Poe

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